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quinta-feira, 20 de maio de 2010

Criação da Villa de Jacarehy



                                                  
  
          O documento da “Criação da Villa de Jacarehy” escrito por Jorge de Souza Pereira, Tabelião do Público Judicial e notas da Villa de Santa Anna das Cruzes de Mogy-Mirim, de 21 de Novembro de 1653, relata o motivo pelo qual Jacareí naquele momento histórico deixou de ser o povoado para se oficializar como “Villa” frente ao poder constituído representativo da “Real Coroa Portuguesa De Sua Magestade que Deos Guarde”.


Constam no documento as presenças do Capitão Diogo de Fontes e moradores de Paraíba que pediram ao Capitão Mor Bento Ferrão Castello Branco, que fosse criada uma Villa na zona onde habitavam, pois sendo os pedintes pobres e por ser o caminho para Villa de Mogy-Mirim, muito longe, tinham grandes dificuldades para levar até lá suas mulheres e filhos e portanto viviam e cresciam esses filhos sem serem batizados e sem ouvirem a Missa. Logo no dia seguinte veio a Jacareí o Capitão Mor para ver o “Cittio” para o qual fora feito o pedido de criação da “Villa”.Tendo sido constatada a adequação das terras, foi aceito o pedido e confirmada a criação da “Villa Nossa Senhora da Conceição da Paraíba”, foi ordenada a construção de uma igreja, levantado o Pelourinho e fincada a primeira pedra em nome “Sua Magestade da Coroa de Portugal”. Pela tradição oral dos povos de recontar o quê traz dentro de si sobre o passado, sabe-se da existência de uma pedra fincada ao lado da Igreja do Avareí, mas que nunca passou por investigação histórica ou arqueológica, visto a cidade não desenvolver programas de pesquisa historiográfica local.

Têm-se então, nesse entremear de escopos econômicos, políticos e religiosos que comandavam os destinos dos povos no território invadido, o surgimento de uma Villa por razões antropológicas; ou seja, pela necessidade do homem daquele tempo, do século XVII, de prestar contas a Deus. Precisavam perante Deus realizar os casamentos, os batizados, verem as missas e fazerem confissões. Portanto, Jacareí inicia sua história como Villa da Coroa Portuguesa, por uma condição geopolítica de ocupação e domínio de território; mas com uma determinação de origem antropológica, imprimindo em suas relações institucionais e sociais de submissão ao poder, um caráter antropológico que historicamente preponderou através dos tempos até os nossos dias.

Segundo Sérgio Buarque de Holanda em seu livro Caminhos e Fronteiras, o motivo da criação da Villa de Jacarehy foi a dificuldade de locomoção até o aldeamento Nossa Senhora da Escada e Villa de Santa Anna das Cruzes de Mogy-Mirim.

Da lenda resgatada através da tradição oral em pesquisa realizada por Érica Turci e Tatiana Baruel extrai-se a noção sobre a origem da região criada pelo imaginário popular, que narra a luta de um índio guerreiro que lutou e venceu o deus cobra para ganhar o amor de sua amada, causando a morte do inimigo que caiu sobre a terra desfazendo-se em água e dando origem ao Rio Paraíba do Sul.



Dos registros em documentos e narrações de viajantes que por Jacareí passaram, resulta que Jacareí era então uma grande várzea, cercada por morros forrados de florestas, que proporcionava ao imenso leito do Rio Paraíba do Sul o transbordamento de suas águas no período das chuvas de verão.

Dados enunciados à partir de dados revelados pela professora Ivana de Souza Cunha descrevem a flora e fauna da mata atlântica ainda abundantes na região;

“... o mameluco se tornava naquele momento o homem mais adaptado à essa terra, os portugueses que chegavam e os índios que aqui ainda se encontravam desfrutavam dos recursos naturais. Coletavam frutas do mato e do campo - jabuticabas, maracujás, araticuns, goiabas, pitangas, bananas, mamões, gravatás e pinhões ..como pacas, marrecos, patos, antas, capivaras, quatis e jacarés, lagartos, tatus, preguiças, macacos, veados, papagaios e aves várias. A caça e a pesca piraquara eram praticadas para subsistência e no processo de aculturação entre o índio e o branco, os instrumentos de produção e captação de recursos naturais para manutenção da vida na região utilizados pelos índios, foram apreendidos e absorvidos pelo colonizador português.”

Portando em seu território o Rio Paraíba que então era navegável desde o porto da Freguesia Nossa Senhora da Escada; sendo ponto importante de passagem e pouso no sistema viário dos Bandeirantes que partiam de São Paulo de Piratininga, conforme narra Raymundo Campos:

“... a primeira descoberta do ouro era resultado das inúmeras incursões dos bandeirantes pelos sertões, realizadas durante a segunda metade do século XVII, primeiro à procura de índios para escravizar e depois na ânsia de encontrar ouro, prata e pedras preciosas.

O caminho que saía da Vila de São Paulo passava primeiro pelo Vale do Paraíba, Mogi, Laranjeiras, Jacareí, Pindamonhangaba e Guaratinguetá. Depois se realizava a passagem da Mantiqueira...”

Em seu livro Arte Sacra Colonial-Barroco Memória Viva, Percival Tirapeli ilustra as vilas paulistas com mapas desenhados por Arnauld Juliene Pallière que em 1821 estivera em Jacareí e narrara a mudança fluvial e a existência do pelourinho na Vila.

“Jacareí, segundo revelam desenhos de Pallière, era uma cidade muito importante pelo porto e pela passagem. A mudança do rumo fluvial determinou a escolha da vila pelo porto, sendo o Paraíba utilitário, não paisagístico. A igreja e a praça se posicionam dando fundos para o rio... sua vista era barrada pelo casario. O templo determina apenas a praça, onde a Casa da Câmara, posicionada de modo lateral, não compete visualmente com a igreja. O sítio plano favorece uma circulação livre e em toda volta não possui construções contíguas. Essas terras planas que tanto favoreciam um traçado hipodâmico são tratadas de maneira displicente, nem sequer fugindo das próprias inundações.”

O pesquisador Adelmir Morato de Lima em seu livro Os 14 do Vale – Pintores Primitivos do Vale do Paraíba, explica que através de mudanças no processo econômico de exploração de riquezas naturais, transferência de mão de obra e investimentos de capital nas monoculturas da cana de açúcar e posteriormente de café, no Vale do Paraíba; alterou-se a composição étnica regional, com a inserção do homem negro africano, que foi preponderante na formação sócio-antropológica-cultural do homem do Vale do Paraíba.

“Algum tempo depois da decadência do ciclo do ouro em Minas Gerais, no final do século XVIII, o plantio do café atinge o Vale do Paraíba.... No decorrer do século XIX, esse produto transforma profundamente toda a região, em seus aspectos políticos, sociais e econômicos...A riqueza gerada pelo café, o ouro negro, como também era conhecido, possibilitou o surgimento da aristocracia rural vale-paraibana, que tinha seu expoente na figura dos Barões do Café, homens influentes e poderosos, que acumularam fortunas com o maior fenômeno agrícola do século. Nesse período o Vale do Paraíba recebeu um contingente de escravos africanos jamais visto em sua história. O trabalho escravo nas fazendas foi vital para a cultura do café...

A cultura vale-paraibana estruturou-se em bases européias, indígenas e negras. Desde o período da colonização, os europeus receberam a influência dos indígenas, tanto na alimentação (uso do milho, feijão, mandioca), como na fabricação de cerâmica, esteiras, redes, além de uma série de conhecimentos peculiares da cultura indígena. Essa influência indígena também se faz presente nos nomes das cidades vale-paraibanas. Por sua vez, a cultura negra sobreviveu, mas teve que adaptar-se aos padrões dos colonizadores. Essa injunção pode ser observada no comportamento religioso, em que rituais da cultura africana permaneceram, só que invocando santos da religião oficial católica. Dessa maneira mantiveram-se vivas, de alguma forma, suas crenças e os valores espirituais. Mas, a cultura negra também se expressa na linguagem, na música, na agricultura e na comida, na utilização de instrumentos domésticos, nos mitos e crendices.

Outras manifestações demonstram a influência negra, mas a fusão da cultura do negro com a do índio e a do europeu tornou a questão tão complexa, que é praticamente impossível delimitar o que pertence exclusivamente a um ou aos outros.”(LIMA, 1987)

Nos documentos notariais e inventário que certificam ações financeiras do Alferes João da Costa Gomes Leitão, fazendeiro, escravocrata, juiz de paz; intitulado Coronel Leitão; nota-se as relações de direito de posse e decisão do proprietário sobre as mercadorias mais valiosas da região, na época. Além da monocultura do café, o proprietário de terras era detentor de poder nas relações com as pessoas, visto ser ele proprietário das mercadorias mais valiosas: as terras, os escravos e as mulheres. Seus escravos e suas filhas garantiam o acúmulo e geração de riquezas. A origem da família do homem do Vale do Paraíba se dá nas relações permeáveis entre brancos, negros e indígenas; letrados e analfabetos, padres e benzedeiras, ricos e pobres, vestidos e pelados... “no espaço do campo, estradas e rios, seguindo a gênese da família patriarcal brasileira , no âmbito rural”. (FREYRE, 1958)



                                                           Coronel João da Costa Gomes Leitão
                                                            Fonte: Acervo Luiz José Navarro da Cruz


                    “... proprietários de fazendas de café, das áreas mais antigas situadas na Baixada Fluminense e Vale do Paraíba. 
 



...Constituía-se no importante setor cafeeiro até 1870. A produção nas fazendas dependia essencialmente de mão-de-obra-escrava.”(COTRIM, 1991)

Caio Prado Junior explica que social e politicamente, o café foi responsável pela criação da última aristocracia do país, depois dos senhores de engenho e dos mineradores. Os proprietários de terras e produtores de café formaram a elite social brasileira, que dominou o cenário político, pois São Paulo se encontrava na liderança e foi responsável pelas transformações econômicas, políticas e sociais do século passado: a migração do Norte ao Sul, a imigração européia, a abolição da escravidão e inclusive a República.

Por estradas e fatos mapeamos as cidades do Vale, que passaram por um processo de assentamento para se adequarem às normas ditadas pela economia do mundo moderno e seu novo modo de ação e produção que prevera a ocupação dos espaços urbanos.

O período de declínio da monocultura cafeeira a partir de 1870, descrito na literatura de Monteiro Lobato, em sua obra Cidades Mortas, nos remete ao trâmite do poder patriarcal, coronelístico, monárquico; condicionante de sentido de proteção dos grandes senhores e líderes religiosos; para o novo paradigma da sociedade capitalista industrial, em que o homem do Vale do Paraíba teria que perder os elos, correntes que o atrelavam ao sistema escravista de composição social, acionado por ações combinadas e coordenadas, que haviam sustentado a monocultura do café.

Esse foi o período transitório entre o sistema de produção do século XIX, com seu poder político vigente, seu modo de se impor nas relações sociais, e o novo modelo de produção do século XX; que fez com quê o homem valeparaibano fosse lançado no sistema das ações individualistas do novo modelo econômico, caracterizando mais uma vez o processo mutilante e impositivo do poder constituído sobre o conjunto sócio-antropológico ao qual este homem pertencera.



Texto integral e imagens poderão ser conferidos no site: www.patrimonioculturaljacarehy.com.br

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