Alferes João da Costa Gomes Leitão |
Sabemos que até o século XX a historiografia omitiu, ocultou e compactuou com o apagamento da Memória da participação feminina como agente social no cenário do desenvolvimento das sociedades. Desde “Eva”, nas narrações religiosas e sua conseqüente punição pelo ato de rebeldia e insubordinação ao comer a maçã; passando por Maria Madalena e sua coexistência polêmica ao lado de Jesus Cristo, evidenciadas pela história; a mulher carrega o fardo de receber punições e castigos salientados por uma cultura política secularmente praticada, que potencializa as relações de poder prepotentes do domínio masculino em detrimento à força motriz que é presente na própria natureza biológica que assegura à mulher o poder de decisão sobre a procriação.
Perpetua-se então com a punição desses personagens do universo religioso e historiográfico do mundo ocidental, a subordinação imposta às mulheres através da guerra contra o poder da mulher.
A história está recheada de atentados contra as mulheres para combater esse poder nela intrínseco. Na Roma antiga narrações sobre “Il rapto delle Sabine alle porte di Roma”, soldados romanos que raptaram mulheres para a própria procriação dos romanos. Às portas do século XX a guerra pelo poder dos sérvios contra os muçulmanos, passou pelo aprisionamento e estupro de mulheres, a ponto da sociologia e antropologia terem reconhecido recentemente o estupro como arma de guerra.
Mas o enfoque que damos aqui para pontuar com importância o Dia Internacional da Mulher, é o aspecto antropológico das relações que permearam o cotidiano local jacarehyense, das mulheres do século XIX sucumbidas ao poder instituído do coronelismo florescente no cenário brasileiro regional, representado pelo então Alferes, “Coronel” João da Costa Gomes Leitão e as relações de poder que fazem ainda hoje no século XXI, sucumbir todos cidadãos jacarehyenses independentes dos gêneros.
Livro de Erica Turci e Tatiana Baruel |
Tumba de João da Costa Gomes Leitão Junior |
A problematização do argumento em foco se configura nesses meandros das relações antropológicas de poder que se davam de modo irrestrito não só sobre a mulher, mas também sobre os escravos, sobre a Igreja, sobre os poderes constituídos, pois esse Coronel foi também Juiz de Paz, cafeicultor, líder do tráfico de escravos, 1º Banqueiro do Vale do Paraíba, logo capitalista e, portanto não lhe servia ser BARÃO; ele deixou os títulos da Nobreza para outras personalidades. As outras cidades do Vale do Paraíba tinham já os seus BARÕES; Jacarehy de então possuía 3 BARÕES; mas era do “Alferes Leitão” o título de “CORONEL”. Além da monocultura do café, ele era detentor de relações de direito de posse e decisão sobre as mercadorias mais valiosas na região: as terras, os escravos e as mulheres, pois estes garantiam a geração e o acúmulo de riquezas.
SOLAR "GOMES LEITÃO" |
Para fundamentar filosoficamente esse contexto sócio cultural do universo da mulher jacareiense recorremos à teoria do pensador francês Michael Foucault que observou, escreveu sobre o cotidiano feminino e em suas lições de genealogia e poder explica como o poder é essencialmente repressivo: “...o poder é o que reprime a natureza, os indivíduos, uma classe. Quando o discurso contemporâneo define repetidamente o poder como sendo repressivo, não é novidade. Hegel foi o primeiro a dizê-lo, depois Freud e Reich também o disseram... não será então que a análise do poder deveria ser essencialmente uma análise dos mecanismos da repressão?... o poder é guerra, guerra prolongada por outros meios.” (1986).
Catalisando as forças motrizes de todas as mulheres que nesse dia 08 de março de 20011 serão homenageadas, ressaltamos o convite a uma meditação sobre essas relações de poder descritas nesse artigo, pois talvez o caminho para a “sonhada” libertação feminina esteja calcado na nossa redefinição cultural frente à essa realidade opressiva que não atinge somente o universo feminino, mas de modo sistêmico também o universo masculino; quando nesse século XXI vivemos sob as forças do coronelismo revestido e potencializado; talvez então possamos juntos homens e mulheres desmascarar o PODER que nos empareda ainda e nos impõe absurdos que analisados à luz da Razão e da Ciência desmascara este universo de relações de PODER que nos oprime ainda no século XXI; citarei alguns exemplos específicos ligados ao gênero feminino e outros gerais:
1. A inexistência de Políticas voltadas exclusivamente para a saúde e bem estar da Mulher Jacareiense; visto que nem mesmo HOSPITAL MUNICIPAL ou MATERNIDADE MUNICIPAL possímos em Jacareí;
2. O desconhecimento absoluto da parte de classe dirigente local, de Mecanismos Sociológicos e Métodos de Pesquisa e que abordem a realidade e condição femininas no município;
3. Estatísticas que possam revelar o número de mulheres e crianças violentadas, famintas, analfabetas e ou desempregadas, ou ligadas e utilizadas pelo tráfico de drogas e pelo mercado do crime que é crescente em Jacareí;
4. O número de mulheres que praticam o aborto como método de manutenção de controle do número de familiares e dependentes, número de mulheres hospitalizadas e óbitos em função dos abortos clandestinos.
De modo geral, podemos também citar exemplos de outras ações que permeiam as relações de PODER e atingem à todos os Jacareienses: a “legalidade” de uma taxa para podermos transitar em nosso território enquanto munícipes, com o PEDÁGIO às nossas portas; o PODER que não é capaz de Planejar uma cidade com administração das águas e evitar os alagamentos e desmoronamentos, apesar de todos os recursos de Infra-estrutura já existentes na Engenharia e Arquitetura, enviando à nós, munícipes as conseqüências com as doenças e outros danos; o PODER que julga culpado um governante que não prestou de modo correto as suas contas, mas lhe dá a permissão para se eleger de novo governante; o PODER que permite que os cidadãos sejam enganados, nos momentos de Campanha Política, com promessas de construção do tão necessário HOSPITAL MUNICIPAL de serventia pública comum à todos, e ainda ludibria a população com o Projeto do FICTÍCIO ANEL VIÁRIO, impossível de ser construído no CENTRO HISTÓRICO da cidade; porque a Ciência da Urbanística nos ensina que Anéis Viários não cortam Centros Históricos, mas giram em torno das cidades justamente para proteger a Memória das Cidades; Memória esta que todo Cidadão, Homens e Mulheres têm o Direito de ter, pois este Direito é garantido pela nossa CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA.
Nós Mulheres nos tornamos as vítimas mais frágeis nesta cadeia de falcatruas e enganações; pois em função de nossa secular missão de procriar, proteger, nutrir e dar manutenção à existência da Espécie Humana, nos sobra muito menos possibilidades de estudar, adquirir conhecimentos, refletir e confrontar realidades e as condições de vida, que nos são destinadas e impostas pelo PODER da desinformação, que avança em benefício de alguns números e gêneros. Temos motivos latentes, nós MULHERES E HOMENS para buscarmos a união, darmos início à uma reflexão profunda e abrirmos uma discussão sobre, de modo geral, qual PODER é este que governa nossos corpos, que pretensiosamente quer nos ditar até o número de nossa prole, que nos impõe e nos submete às condições absurdas de desinformação e passividade; e afinal de contas... quem são os Coronéis que nos oprime ainda em Jacarehy, nesse século XXI?
Cesira Papera é licenciada em História, é Genealogista. Pesquisadora histórica em Genealogia e Patrimônio Cultural no Brasil e Italia.. Realizou estudos histórico-linguístico-culturais nas Universidades “Ca’ Foscari”, em Veneza e “La Sapienza” em Roma, Itália, no período de 1995/2001. É Sócia-membro da ASBRAP. Leciona Língua e Cultura Italiana e é Diretora Cultural do Circolo Italiano”LEONARDO DA VINCI”. Coordena o Grupo de Defesa da Memória do Ferroviário de Jacareí.
cesirapapera@gmail.com
(Texto escrito e publicado parcialmente no JORNAL SEMANÁRIO de Jacareí, em 08/03/2009)